29.10.18

A Reforma

Apesar de toda a perseguição aos santos, vívidas testemunhas da verdade de Deus foram suscitadas de todos os lados. Anjos do Senhor estavam fazendo a obra a eles confiada. Pesquisavam os mais tenebrosos lugares e escolhiam em meio das trevas homens que fossem honestos de coração. Todos estes estavam sepultados no erro, contudo Deus os chamou, como fizera com Saulo, para serem vasos escolhidos a fim de levarem Sua verdade e alçarem suas vozes contra os pecados de Seu povo professo. Anjos de Deus moveram o coração de Martinho Lutero, Melancton e outros, em vários lugares, e os fizeram ter sede do vívido testemunho da Palavra de Deus. O inimigo viera semelhante a uma inundação, e o estandarte deveria ser alçado contra ele. Lutero foi o escolhido para enfrentar a tempestade, levantar-se contra a ira de uma igreja decaída e fortalecer os poucos que eram fiéis à sua santa profissão. Sempre teve ele receio de ofender a Deus. Experimentara pelas obras obter Seu favor, mas não ficou satisfeito antes que um raio de luz procedente do Céu repelisse de seu espírito as trevas, e o levasse a confiar não nas obras mas nos méritos do sangue de Cristo. Pôde então vir a Deus por si mesmo, não por intermédio dos papas ou confessores, mas somente por meio de Jesus Cristo.

Oh! quão preciosa foi para Lutero esta nova e gloriosa luz que lhe raiara no obscurecido entendimento, e repelira a sua superstição! Apreciava-a mais do que o mais rico tesouro terrestre. A Palavra de Deus era nova. Tudo estava mudado. O livro que ele tinha temido porque não pudera ver beleza nele, agora lhe era vida, vida eterna. Era sua alegria, sua consolação e seu bendito ensinador. Nada poderia induzi-lo a deixar seu estudo. Havia temido a morte; mas, tendo lido a Palavra de Deus, desapareceram todos os seus terrores e admirava o caráter de Deus e O amava. Examinava a Bíblia por si mesmo, e banqueteava-se com os ricos tesouros que ela contém; examinou-a então para a igreja. Teve aversão dos pecados daqueles em quem havia confiado para a sua salvação; e, vendo muitos outros envoltos nas mesmas trevas que o cobriam, procurou ansiosamente uma oportunidade para lhes apontar o Cordeiro de Deus, que unicamente tira o pecado do mundo.

Erguendo a voz contra os erros e pecados da igreja papal, esforçou-se com ardor para romper a cadeia de trevas que prendia a milhares, e os fazia confiar nas obras para a salvação. Almejava poder patentear ao espírito deles as verdadeiras riquezas da graça de Deus e a excelência da salvação obtida por meio de Jesus Cristo. No poder do Espírito Santo clamou contra os pecados que existiam por parte dos dirigentes da igreja; e, defrontando-se com a tempestade da oposição movida pelos padres, sua coragem não desfaleceu; pois firmemente confiou no braço forte de Deus, e confiantemente esperou por Ele a vitória. Como instigasse o combate mais e mais intensamente, a ira dos padres mais ardente se acendia contra ele. Não desejavam ser reformados. Preferiam ser deixados à vontade, em prazeres dissolutos, em impiedade; e desejavam que também a igreja fosse conservada em trevas.

Vi que Lutero era ardente e zeloso, destemido e ousado, para reprovar o pecado e advogar a verdade. Não se preocupava com homens ímpios ou demônios; sabia que consigo tinha Um que era mais forte do que eles todos. Lutero possuía zelo, coragem e ousadia, e por vezes esteve em perigo de ir aos extremos. Mas Deus suscitou a Melancton, que era exatamente o contrário no caráter, a fim de auxiliar Lutero no levar avante a obra da Reforma. Melancton era tímido, medroso, cauteloso e possuía grande paciência. Era grandemente amado por Deus. Grande era o seu conhecimento das Escrituras e excelentes o seu juízo e sabedoria. Seu amor pela causa de Deus era igual ao de Lutero. Os corações destes homens o Senhor os ligara entre si; eram amigos inseparáveis. Lutero era um grande auxílio para Melancton quando se achava amedrontado e vagaroso, e Melancton por sua vez o era para Lutero quando em perigo de agir com demasiada rapidez. A cautela mui previdente de Melancton muitas vezes desviou dificuldades que teriam sobrevindo à causa, se a obra estivesse entregue unicamente a Lutero; e muitas vezes a obra não teria sido levada avante se estivera entregue a Melancton só. Foi-me mostrada a sabedoria de Deus em escolher esses dois homens para promover a obra da Reforma.

Fui então conduzida aos dias dos apóstolos e vi que Deus escolhera como companheiros um ardente e zeloso Pedro e um brando e paciente João. Algumas vezes Pedro era impetuoso, e não raro quando era este o caso, o discípulo amado o continha. Isto, contudo, não o reformou. Mas depois que negou ao seu Senhor, arrependeu-se, e estando convertido, tudo que ele necessitava para conter o seu ardor e zelo era o terno cuidado de João. A causa de Cristo muitas vezes teria sofrido, tivesse sido deixada a João sozinho. O zelo de Pedro era necessário. Sua ousadia e energia muitas vezes os livraram de dificuldades e silenciaram os seus inimigos. João era cativante. Ganhou a muitos para a causa de Cristo por seu paciente temperamento e profunda devoção.

Deus despertou homens para clamar contra os pecados presentes na igreja papal e promover a Reforma. Satanás procurou destruir essas testemunhas vivas; mas o Senhor fez uma proteção em torno deles. Alguns, para glória do Seu nome, foi permitido selar com o seu sangue o testemunho que haviam dado; mas houve outros homens de poder, como Lutero e Melancton, que puderam testificar melhor vivendo e expondo os pecados de sacerdotes, papas e reis. Estes tremeram ante a voz de Lutero e de seus colaboradores. Por intermédio desses homens escolhidos, raios de luz começaram a espancar as trevas, e muitos jubilosamente receberam a luz e andaram nela. E quando uma testemunha era morta, dois ou mais se levantavam para ocupar-lhe o lugar.

Mas Satanás não estava satisfeito. Ele podia ter poder unicamente sobre o corpo. Não podia levar os crentes a abandonarem sua fé e esperança. E mesmo na morte eles triunfaram com brilhante esperança de imortalidade na ressurreição dos justos. Eles tiveram energia mais que mortal. Não se aventuraram a dormir por um momento sequer, mas conservaram-se cingidos com a armadura cristã, preparados para o conflito, não meramente com inimigos espirituais, mas com Satanás na forma de homens cujo constante clamor era: “Abandonai vossa fé ou morrereis.” Esses poucos cristãos foram fortes em Deus, e mais preciosos a Sua vista que a metade do mundo que leva o nome de Cristo mas são covardes em Sua causa. Enquanto a igreja foi perseguida, seus membros estiveram unidos em amor; foram fortes em Deus. Aos pecadores não fora permitido unir-se com a igreja. Unicamente os que estavam dispostos a abandonar tudo por Cristo poderiam ser Seus discípulos. Esses preferiam ser pobres, humildes, semelhantes a Cristo.