Muito daquilo que normalmente se discute quanto à sociedade em que vivemos, porventura mais especialmente em época de eleições, reside nas diferenças entre os dois grandes blocos de pensamento político e filosófico: a esquerda e a direita.
Estes dois campos foram estabelecidos e consolidados após a revolução francesa. Politicamente falando, foi durante a revolução francesa que foram criados os termos “direita” e “esquerda” – referiam-se ao lugar onde os políticos de então se sentavam no parlamento francês: os que estavam à direita da cadeira do presidente parlamentar eram a favor do regime anterior (monárquico); os que se sentavam à esquerda, eram contra. Assim, quando a 28 de agosto de 1789, se discutiu na Assembleia Nacional Constituinte a questão do direito de veto do rei, os deputados que se opunham à proposta sentaram-se à esquerda do presidente; os que eram a favor deste privilégio monárquico sentaram-se à direita.
Ao longo do século XIX, a mais notada linha divisória entre a “esquerda” e a “direita” foi entre os apoiantes da monarquia (os de direita) e os apoiantes da República (os de esquerda, já então apelidados de revolucionários). O uso do termo “esquerda” tornou-se mais proeminente após a restauração da monarquia francesa em 1815 e foi aplicado aos chamados “Independentes”, os contestatários do regime monárquico.
Convém reforçar que na França daquele tempo, a “direita” representava a ordem e os valores tradicionais e históricos da monarquia, normalmente sempre próxima do papado na história e cultura europeias (conservadorismo), enquanto a “esquerda” passava a representar a novidade ideológica, o colocar em causa da ordem política estabelecida até então, rejeitando a religião e os seus valores (liberalismo, quanto aos costumes).
A princípio, esta esquerda, composta e promovida essencialmente pelos intelectuais ou mais preparados de então, não teve grande acolhimento junto do povo e experimentou sérias dificuldades de penetração e consolidação. Por isso, após o golpe de estado de Napoleão III em 1851, a esquerda foi excluída do campo e debate políticos, focando as suas atenções na organização dos trabalhadores e no trabalho dos pensadores que se debruçavam sobre essas classes, uma espécie de sindicalismo original.
Desse crescente movimento operário francês, sugiram os pensamentos e as máximas que se consolidaram numa ideologia que se materializou em diversas vertentes, segundo vários pensadores e ideólogos. Contudo, a maioria dos crentes católicos praticantes (os religiosos) continuaram a votar de maneira conservadora, à direita, enquanto os grupos que foram recetivos à revolução francesa do final do século XVIII começaram a preferir as ainda novas correntes de esquerda (normalmente, não religiosas).
E assim, ao longo das décadas seguintes, a doutrina político-social de esquerda estabeleceu-se e confirmou-se numa grande parte do mundo até hoje, enquanto a direita política era remetida quase exclusivamente para uma espécie de redoma onde a catalogação obrigatória era a da religião cristã ou dos valores tradicionais e históricos da mesma. E embora o socialismo/comunismo tenha sofrido também ele uma ferida de morte – em 1989, com a queda do muro de Berlim – a verdade inegável é que cultural e socialmente, a ideologia de esquerda, está bem firmada e em alguns casos segue sendo fortalecida.
E como é que tudo isto se transpôs para a sociedade? Como algumas das principais heranças políticas e sociais deste pensamento de esquerda, ateísta e secularista, temos: socialismo, comunismo, (ou marxismo, marxismo-leninismo), sindicalismo, ativismo social, reivindicação de direitos sociais, ambientalismo, humanismo, ideologia de género, feminismo, homossexualismo (com a apologia dos chamados “direitos civis”), licenciosidade e liberalização do sexo, redefinição do casamento como ato exclusivamente civil, aborto, evolucionismo ou ciência moderna (no sentido da rejeição de Deus, oposição ao criacionismo)
Na ausência de espaço e tempo para fazer uma análise minuciosa a casa um destes itens, resumiremos da seguinte forma: de acordo com os princípios divinos que emanam das Sagradas Escrituras, nada de bom se pode retirar desta lista. Sim, leu bem – nada de bom; aquilo que aparentemente parece ser um benefício para a sociedade, na verdade não é aprovado diante do fino e rigoroso escrutínio das Escrituras. De forma simples, diremos: à luz dos valores cristãos, a esquerda é má. Pode parecer uma afirmação demasiado simplista e/ou absolutista, mas é mesmo assim.
Assim sendo, surge a pergunta: e o pensamento político de direita? Será bom ou mau? Pois bem, esta pergunta precisa ser respondida com uma sub-pergunta: qual pensamento de direita? A direita socioeconómica ou a direita religiosa? Acontece que, para benefício de um raciocínio deste tipo, enquanto a esquerda é a esquerda e está tudo dito, a direita pode ser analisada dentro destes dois barómetros; o exclusivamente civil e o religioso.
A direita socioeconómica defende as liberdades individuais, incluindo de iniciativa e religiosa, o livre mercado e a menor interferência possível do Estado na vida económica, política, social, religiosa e cultural. (Em contraponto, para a já mencionada esquerda, os ideais de igualdade estão acima das liberdades individuais, a atenção é colocada no coletivo e o Estado tem papel ativo, orientador e se necessário restritivo nos âmbitos económico, social, religioso e cultural.)
O século XX deixou bem claro que as nações mais prósperas, avançadas e cujo progresso foi e é por vezes difícil de acompanhar foram justamente aquelas onde o pensamento socioeconómico de direita foi aplicado, desde logo com os Estados Unidos à frente. (Em contraponto, os maiores fracassos sociais e mesmo como nação, foram os países onde socialismo e comunismo reinaram soberanos, desde logo com Cuba à cabeça.)
Contudo, a direita religiosa é fundamentalmente diferente da direita socioeconómica pois não passa ao lado de uma relevantíssima característica: baseia-se, apega-se, sustenta-se na religião cristã, cujos princípios e valores funcionam como primeira e prioritária inspiração, até mesmo como base e alicerce de todo o pensamento.
Aqui alguém perguntará: e qual o problema? Se a esquerda tem uma base ateísta e secular, a direita não poderá ter uma base religiosa, cristã? Poder, até poderia; o problema é que, não poucas vezes, isso implica uma mistura, uma união entre Estado e Igreja – e a História aí está para demonstrar que isso nunca corre bem, sendo que o que normalmente acontece é o Estado aceder aos ditames da Igreja.
Podemos citar como exemplos mais recentes o caso de Portugal, com o seu governo salazarista (conhecido como Estado Novo) entre 1933 e 1974 e onde, por especial pressão da Igreja Católica Romana (e não necessária e primeiramente pelo Estado), os não católicos, como adventistas e evangélicos, nem sempre tiveram a vida muito facilitada. A sinopse oficial da obra “A Igreja Católica e o Estado Novo Salazarista”, de Duncan Simpson, menciona: “O Estado Novo de Salazar, independentemente das suas diversas influências ideológicas, continha no seu núcleo uma tendência específica da doutrina católica forjada pela elite católica portuguesa no primeiro quartel do século XX (antiliberal, tradicionalista e nacionalista). Desta componente católica do programa salazarista emergiu uma aliança institucional duradoura e abrangente com a Igreja Católica, com esta a participar na legitimação, no esforço doutrinário e na implementação das políticas do Estado Novo.” Junte a isto o facto de Roma não receber ordens de ninguém e rapidamente perceberá quem mandava em quem.
Também o franquismo em Espanha (1939-1977) seria outro exemplo de governos que mantiveram relações muito próximas com a Igreja Católica Romana. Ainda outros exemplos poderiam ser mencionados, particularmente na primeira metade do século XX, com o especial – porventura espantoso – caso do nazismo alemão que chegou ao poder com o voto do Partido Católico Alemão.
Nestes casos, não havia a livre circulação, iniciativa ou trocas comerciais que seriam próprias de um regime socioeconómico de direita; pelo contrário, as limitações existentes mais pareciam inspiradas naquilo que historicamente conhecemos de um regime autoritário de esquerda. A política autoritária, embora de direita, estava misturada com os interesses da Igreja romana.
Vejamos agora o caso dos Estados Unidos da América, a nação recente que em dois séculos se tornou no mais próspero e avançado país da História humana.
A nação americana foi fundada com uma fortíssima base de liberdade de consciência religiosa, logo estendida a todas áreas de ação, nomeadamente civil. Politicamente, tinha um sistema de direita socioeconómica que, conforme mencionado antes, privilegiava as liberdades individuais, incluindo de iniciativa e religiosa, o livre mercado e a menor interferência possível do Estado na vida económica, política, social, religiosa e cultural. A mesmo tempo, e para evitar perigos que os pais fundadores conheciam bem, separou-se desde logo Estado e Igreja, impedindo que um interferisse no outro. Foi assim que os Estados Unidos se desenvolveram, cresceram e se consolidaram como a grande potência mundial: liberdades socioeconómicas, separação entre Estado e Igreja.
Poderíamos mencionar agora qualquer exemplo de Estado baseado numa premissa ateísta e secular, como é o caso dos socialistas e comunistas, para perceber o contraste e a diferença em termos do exercício das liberdade individuais. Contudo, o mesmo poderemos dizer se compararmos os Estados Unidos com um governo baseado em princípios de direita mas com a interferência ou ingerência da religião predominante. Isto indica que um Estado de direita religiosa, isto é, com predominância da Igreja, está, nos seus princípios e práticas, mais perto de um Estado de esquerda do que de um Estado de direta socioeconómica!
Confirmando: o regime de Estado que mais se aproxima da defesa e prática dos valores bíblicos é sempre uma direita socioeconómica, onde todos podem livremente escolher o que fazer, onde ir, o que negociar e que religião ter e praticar. Quando essa direita se transforma e até assume como uma direita religiosa, temos a vantagem de ver favorecidos valores cristãos de respeito pela vida, pela propriedade, pela própria liberdade e a do outro. Contudo, pode surgir também uma demasiada proximidade e muitas vezes promiscuidade com a Igreja, o que pode provocar a curto, médio ou longo prazo uma restrição a essas mesmas liberdades.
E aqui encaixa-se muito bem o entendimento profético adventista: em qual dos casos sairá favorecido o cenário escatológico que há mais de 160 anos os adventistas do sétimo dia anunciam? Com um governo de esquerda? Não. Com um governo de direita socioeconómica? Também não. Com um governo de direita religiosa? Certamente que sim!
Conclusão: nos últimos anos, grandes e espantosas mudanças têm ocorrido no mundo: Donald Trump nos Estados Unidos, Viktor Orban na Hungria, Mateo Savini em Itália, eventualmente Jair Bolsonaro no Brasil – todos eles têm provocado enorme impacto e, preste bem atenção, são bem próximos da direita religiosa. No âmbito profético, entende agora o que poderá estar a acontecer no mundo?