2.12.19

CARTA A GRETA THUNBERG

[Segundo notícias divulgadas na imprensa, uma destacada personalidade política portuguesa escreveu uma carta a Greta Thunberg, a mais recente estrela do firmamento ambientalista internacional. Como o mundo (ainda) é livre, também decidi escrever-lhe uma carta aberta.]

Olá Greta, como estás? Imagino que ainda um pouco molhada devido à tua travessia do Atlântico, embora a parka de poliéster que normalmente usas e serviu de foto de capa para o teu (?) livro, certamente te dê muito jeito nestas ocasiões.

Desculpa não escrever em sueco ou em inglês – sueco não percebo nada; inglês é a língua do país mais megacapitalista da História da humanidade (por sinal também o mais próspero e grandioso), e pensei que pudesses ficar ofendida.

Mas, afinal, agora lembro que até costumas responder em inglês nas entrevistas que te fazem (isto quando respondes e não sugeres ao entrevistador que vá perguntar a outra pessoa). Acho que, lá no fundo, o que precisas é estudar melhor a cartilha que te entregam. Ah, pois é, acredito que a palavra estudar te cause tanta repulsa como a palavra petróleo – afinal, a tua especialidade não é estudar e assistir às aulas, mas sim passear e faltar às aulas. Algum tempo atrás, isso seria imprestabilidade irresponsável; atualmente, é ativismo climático. Não sei bem quais os critérios curriculares do ensino na Escandinávia, mas na minha modesta e desconhecedora opinião, isso é um péssimo exemplo para as crianças e adolescentes em qualquer parte do mundo.

Aliás, é mesmo muito estranho que o pessoal lá nas Nações Unidas passe o tempo a falar de educação e de como a escolaridade é importante para o progresso e desenvolvimento das nações, especialmente as do chamado terceiro mundo, e depois eles são os mesmos que cedem o palco a uma adolescente com comportamentos pirralhas que faz exatamente o contrário: incentiva os seus correligionários etários a faltarem e fazerem greves de periodicidade semanal, logo transformadas em ecopasseios de barco.

A propósito das tuas viagens náuticas, desde logo a tua primeira odisseia rumo às terras do Novo Mundo, fiquei um pouco confuso com dois aspetos da tua logística: primeiro, usaste uma embarcação cujo motor de reserva funciona a… gasóleo; segundo, o staff que levaste contigo regressou à Europa de… avião. Será que eles ainda não captaram a tua mensagem? Se calhar, eles estão pior do que eu: não falam sueco nem inglês.

Voltando ao modelo de comportamento em que te transformaram e, ao que parece, muitos jovens querem seguir (não sei se de livre vontade ou se impingidos por pais e professores arrebanhados para o efeito), não deixei de reparar na tua postura durante o discurso nas Nações Unidas. Bem sei que o prestígio dessa entidade já conheceu melhores dias; mas acho que não havia necessidade de te teres comportado de forma tão rude e mal-educada. Por menos do que isso, pais responsáveis ficam imediatamente preocupados e dispostos a tomar medidas – ao que parece, os teus ainda participam da birra.

Agora que chegaste a Portugal, soube que, ao contrário do inicialmente previsto, não te será concedido espaço e tempo de antena na nossa Assembleia da República. Fico com pena – acho que há por ali uma longeva deputada (é do partido “Os Verdes”, não te preocupes) que, finalmente, teria uma concorrente à altura no quesito gritaria. Não estando lá, só farás competição aos deputados que assinam o ponto mas também não estão.

Mas enfim, reconheço, sabemos bem por que razão tu andas a fazer tudo isso. O problema é que tu não deves saber. E a culpa maior nem será tua.

Saudações e boas viagens!

Autor: Filipe Reis