O poeta americano Jack Kerouac (1922 - 1969) falava da vida que vivemos como sendo uma estrada.
Mas, dizia ele, esta estrada não é feita de alcatrão, cimento ou pedra. É feita de pessoas, lugares,
paisagens, cheiros, cores...
Passados mais de vinte anos, dizem, (queixas e desabafos à parte) a esperada ligação está aberta e
centenas de carros, carrinhos, carrões circulam nesta estrada.
Mas esperem, não é de estradas que quero falar, e sim de pessoas. Esta nossa tão aguardada A24
começa na fronteira (quase) com a Galicia, e vai rasgando serras, vales e montes, até se encontrar,
para um lado com a IP4, para o outro com a A7.
E nesta época do ano em que temos sido presenteados com dias solarengos, intercalados com dias
de refrescante chuva, e a natureza inunda os nossos sentidos com cheiros e cores tão variados, esta
estrada de alcatrão é uma via priveligiada para contemplarmos essa outra estrada de que Jack Kerouac
falava.
Entrando na A24 em Vila Verde da Raia, começamos uma viagem, não de carro ou seja o que for,
mas com os sentidos. Podemos ver as aves de rapina que sulcam os céus, não uma, nem duas, mas
três! Águias, penso eu. E a estrada continua, e os sentidos tudo bebem. E ao olhar para os campos,
os meus olhos passam dos verdes das árvores para o cinzento da pedra, exposta por esta estrada que
rasga a paisagem.
Mais uns kilometros percorridos e os meus olhos vêem a triste paisagem da terra ardida, mas a natureza
já brota beleza de si. Se eu via uns tristes paus negros que se erguem no lugar onde antes
havia pinheiros, agora vejo a serra coberta de cores. Azuis, amarelos, lilazes, tudo misturado com o
verde dos carvalhos que enchem esta serra que contemplo.
Na famosa “Carta do Chefe Índio Seattle ao grande Chefe de Washington”, lê-se: “Se o homem
cuspir na terra, cospe em si mesmo. Sabemos que a terra não pertence ao homem, mas que é o
homem que pertence à terra.”
Então, se tanto bem me faz esta beleza natural que contemplo, porque fazemos tanto mal a esta terra
que tanto bem nos quer?
Amemos a terra, demos à terra, e recebamos da terra. Se dermos mal, que esperamos então receber?
Lembro agora a triste imagem que vi à uns dias de um eco-ponto queimado. Quem lá passou sabe
do que falo. A terra, esta em que vivemos, é de todos, e é todos nós.
Mas enquanto penso nisto, entro já numa paisagem que é fronteira entre o Trás-os-Montes que amo
e o Minho que aprendi a amar. Passagem das vinhas que nos dobram as costas para as que nos
fazem subir escadas. Dos secos amarelos e castanhos para os húmidos verdes.
Terra de contrastes. Terra de beleza.
Já vejo lá ao fundo as 3 Marias, o Monte Farinha, a Senhora da Graça. A minha viagem, a de alcatrão,
chega ao fim. A outra, a de pessoas, lugares, paisagens, cheiros e emoções, essa continua,
sempre e cada vez mais.